domingo, 11 de abril de 2010

Desabafo de um ex-bicho-grilo

Hoje, lá no trabalho, conheci um homem cuja fisionomia não transmitia preocupações gritantes. Ele deveria ter lá seus cinqüenta anos. Um proleta, posso defini-lo assim. Em dois minutos de conversa com ele identifique seu sujeito. Era um homem de vida simples, não sofrida, mas apertada. Era alguém pelo qual eu teria pena, ou, em outra essência, julgaria um pobre coitado. Mas, no entanto, perguntei- me se talvez ele não fosse lá mais feliz do que eu. Perguntei-me não, essa idéia palpitou em minha mente. Eu estava certo disso. Sua expressão não lamentava horrores, nem, menos ainda, reclamava evolução. Era um sujeito pacato.

Seus predicados não eram nobres, seus modos também não. Seu sujeito o entregara facilmente a mim, mas seus predicados me levaram a uma extremidade de pensamentos, nos quais as idéias sempre se encontravam em conflito. Curioso. Ele era feliz. Ele era pobre. Ele era ignorante. Era um ninguém. Um ninguém que despertara em mim uma curiosidade tremenda de conversar-lhe e conhecer-lhe a essência, os pensamentos, o nível.

E eu, com meus quase cinqüenta anos. Eu, com toda minha intelectualidade. Eu, que sempre fui gênio de mim e do mundo. O sempre admirado por todos. Aquele que a angústia constante e o conflito interno atingem forte e concomitantemente. Minhas preocupações são exacerbadas. Meus medos enormes. Minhas frustrações gritam como crianças famintas. Suponho que minha capacidade de pensar além do que me entregam fora a causa primordial de tudo isso. O que, por tabela, torna aquele pacato homem um sujeito de alegrias. Afinal, para os proletas, que vivem num mundinho limitado, qualquer honraria é mera coincidência e qualquer que seja o esforço, não vale à pena. Eles vivem daquilo que não escolhem e aceitam tudo o que lhes é imposto. Não por gosto, mas percebo que eles decerto não entendem bem o que se passa. Assim, acabam por levar a vida de forma rude e grotesca, por conformidade .

Penso cá, e lá, olhando para ele, sobre essas diferenças entre nós. Minhas preocupações, como já citei, berram. Pergunto-me todo dia se vou melhorar, se vou conseguir, o que deixei de fazer, como pude me transformar no meu sujeito, já que meus predicados eram mais subversivos. Penso ainda se ser bicho-grilo não coincidiria mais com minhas idéias. Mas não. Vivo numa sociedade que não me permitiu escolher se seria gente, ou se seria grilo. Esse ambiente exila – tenta exilar —qualquer manifestação de raciocínio, qualquer vestígio de inteligência. Qualquer que seja seu ponto de vista, pode ser um nado contra a corrente.

No caso do pacato homem, ele simplesmente não vai além do que eles querem que se pense, ou melhor, impense. Ache que pensa, melhor dizendo. Ele é do tipo que não contesta por não saber que precisa, ou que seja possível. Seja um incrítico. Aceite e ame sua vida, tal qual é. Animal, eu diria. Só que sem instintos. A qualidade não supõe vida e a quantidade satisfaz...

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